SÃO PAULO (CNN) -- Se a escocesa Joanne Kathleen Rowling já podia se orgulhar do fato de conseguir que milhões de crianças no mundo todo deixassem a TV e os videogames temporariamente de lado para dedicarem-se ao esquecido hábito da leitura, agora seu mérito é duplo: ela conseguiu também que sua obra chegasse às telas, via Hollywood, tal e qual foi criada, sem interferências da poderosa indústria cinematográfica norte-americana.
E mais: "Harry Potter e a Pedra Filosofal", que estréia nos cinemas dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha nesta sexta-feira e do Brasil no próximo dia 23, é programa obrigatório não só para a legião de fãs do bruxinho adolescente, mas para apreciadores de um bom filme em geral, independente da idade.
O filme promete ser um dos maiores sucessos da história do cinema, não só pela esmagadora campanha de marketing (achar alguém que nunca tenha sequer ouvido falar em Potter é tarefa árdua), mas pela excelência de sua transfiguração para as telas.
Embora a perda de detalhes interessantes seja inevitável na passagem de mais de 250 páginas para duas horas e meia de filme, a essência do rico mundo criado por Rowling está ali, concebida por uma direção de arte e fotografia primorosas, efeitos especiais de primeira, atuações impecáveis e uma direção segura.
Para quem leu o livro, a satisfação de ver o castelo de Hogwarts e as fantásticas partidas de Quadribol é uma experiência inigualável.
E para os que não leram, a surpresa é prazerosa: colocar na tela bruxos empoleirados em vassoura disputando as bolas (sim, são quatro) a vários metros do solo e um castelo onde as escadarias se movem e os personagens dos quadros têm vida já não é tarefa simples. Creditar-lhes verossimilhança, então, é algo digno de aplausos.
O mérito é da imaginação fértil de Rowling, e da direção eficiente do norte-americano Chris Columbus - que traz no currículo pérolas como o roteiro de "Os Goonies", além da direção de comédias de sucesso como "Esqueceram de Mim" e "Uma Babá Quase Perfeita".
Como se não bastasse, Columbus cercou-se de um séquito de profissionais premiados para conseguir transpor para o celulóide, em detalhes, o mundo fantástico saído da cabeça de Rowling.
O "dream team" cinematográfico (e aqui a expressão cai como uma luva) conta com o fotógrafo John Seale ("O Paciente Inglês"), o roteirista Steve Kloves ("Garotos Incríveis"), o editor Richard Francis-Burke ("Seven"), o compositor John Williams ("Star Wars"), o desenhista de produção Stuart Craig ("Ligações Perigosas") e o produtor de efeitos especiais Rob Legato ("Titanic"). Todos indicados, e a maioria vencedora, de Oscars, Baftas, Globos de Ouro e afins.
Se técnica não é tudo, "Harry Potter e a Pedra Filosofal" ainda conta com uma história que prende o leitor (ou neste caso, o espectador) do primeiro ao último minuto.
Harry (Daniel Radcliffe) é um garoto órfão que vive na casa dos tios Válter e Petúnia (Richard Griffiths e Fiona Shaw) e desconhece um enorme segredo: assim como seus pais, mortos misteriosamente, ele é um bruxo.
A revelação só acontece em seu décimo primeiro aniversário, quando Harry recebe uma carta convidando-o a ingressar na Escola de Magia e Bruxaria Hogwarts.
O garoto é então apresentado a um mundo que passa despercebido aos mortais comuns (ou "trouxas", como são identificados por aqueles com poderes mágicos) pelo gigante Hagrid (Robbie Coltrane, espetacular). E neste mundo, ele, o menino que era maltratado pelos tios e dormia em um armário sob as escadas, é uma celebridade.
Quando era apenas um bebê, Harry derrotou, sem saber, o mais perverso e poderoso bruxo de todos os tempos, Voldemort, o assassino de seus pais. O feito foi suficiente para torná-lo uma lenda entre seus pares, e deixou como marca uma cicatriz em forma de raio em sua testa.
Em Hogwarts, Harry faz amizade com seus colegas de classe Rony Weasley (Rupert Grint) e Hermione Granger (Emma Watson), ao lado dos quais, além de iniciar-se na feitiçaria, vai descobrir seu passado, gozar da fama (e sofrer com ela), e enfrentar perigos até então inimagináveis.
O time de quadribol da casa Grifinória, a qual pertence Potter
Rowling criou um mundo fantástico para acompanhar a história clássica do jovem herói que busca sua origem e aprende a usar seus poderes, povoando-a com referências a outras histórias de fantasia e de seres mitológicos.
Além de bruxos e bruxas, há duendes (estes são os responsáveis pelo banco dos bruxos), gigantes, dragões, unicórnios, trasgos, centauros e fantasmas. Como o livro, o filme traz todos esses personagens, embora muitas vezes sua participação seja diminuída devido à limitação do tempo.
Os vilões, embora o filme não seja exatamente um conto-de-fadas e muitas vezes envergue para o lado sombrio, também tiveram sua presença amputada.
O professor Snape, brilhantemente vivido por Alan Rickman, é no livro um perseguidor incansável de Harry. No filme, embora o personagem mantenha o caráter duvidoso e a personalidade desagradável, sua relação com Harry não passa de algumas alfinetadas verbais. O mesmo acontece com o inimigo do herói na escola, o arrogante Draco Malfoy (Tom Felton). Os garotos não se dão bem, mas a rivalidade fica limitada a uma troca de provocações.
Outros personagens também tiveram sua participação mutilada, e alguns, como a senhora Weasley (Julie Walters) e o fantasma Nick-Quase-Sem-Cabeça (John Cleese), quase sumiram da história.
Mesmo assim, o filme não fica devendo ao livro - embora também não o supere. Ele é apenas uma experiência diferente, e por si só, compensadora.
O trio de atores-mirins que encarna os protagonistas faz bonito perto de veteranos do porte da dama Maggie Smith (que vive a professora Minerva) e Richard Harris (o professor Dumbledore, diretor de Hogwarts e protetor de Harry, e quase um clone do mago Merlin). Watson é a que mais surpreende, sobretudo por nunca ter tido experiência profissional anterior em atuação.
Quanto a Radcliffe, encontrado após exaustivos testes de elenco, o garoto parece ter saltado diretamente da imaginação de Rowling para o set de filmagem.
"Sinto como se tivesse voltado a ver o meu filho há tanto tempo perdido", comentou Rowling na época da escalação do ator-mirim.
Para quem leu os livros, a sensação de familiaridade também é inebriante. A cada cena, ouve-se um sussurro de vibração da platéia - que se converte em gritos animados nos momentos de maior clímax. E ao contrário do que se pensa, a empolgação não vem apenas dos pequenos, mas também de muitos marmanjos.
É aí que está a maior mágica de Harry Potter: por alguns momentos, adultos e crianças tornam-se iguais, absortos em um mundo de sonhos que poucas vezes se viu reproduzido com tamanha maestria nas telas de cinema.
E duas horas e meia depois, tudo em que conseguimos pensar é em quanto tempo vai demorar para os demais livros da série (num total de sete, sendo que três ainda não foram publicados) chegarem às telas.
Não é permitido fazer novos comentários.