Na pagina final de seu famoso livro, "Uma Breve Historia do Tempo", Stephen Hawking celebrou a ideia de uma teoria de tudo que unificaria todas as forcas da natureza. Ele argumentou que ela seria o triunfo supremo da razao humana: "pois entao conheceriamos a mente de Deus".
A declaracao controversa deu grande notoriedade ao autor. Ela soava como uma declaracao da supremacia da ciencia sobre a religiao e a filosofia, enquanto muitos criticos a viam como um sinal de suprema arrogancia. Talvez estivessem certos. Hoje, 15 anos depois da publicacao do livro de Hawking, parece que o cosmologista de Cambridge mudou de ideia.
"Ate o momento, a maioria das pessoas assumiram implicitamente que ha uma teoria suprema que um dia sera descoberta. De fato, eu mesmo sugeri que poderiamos acha-la em breve", disse ele para uma plateia em Davis, California. Mas agora ele tem suas duvidas. "Talvez nao seja possivel formular a teoria do Universo em um numero finito de proposicoes". Se for verdade, nos podemos dizer adeus a uma das ideias mais avancadas da Fisica: uma suposta teoria de tudo chamada "teoria M". Este monolito nao e necessariamente uma unica ideia, mas uma cesta de teorias de cordas, todas elaboradas segundo a ideia de que materia e energia derivam de vibracoes de minusculas cordas subatomicas.
A teoria de cordas e M foram criadas para unir o pensamento de Einstein sobre a gravidade e a teoria quantica, a descricao de como a materia e a energia interagem em escalas minusculas. Mas apesar de teorias individuais de cordas serem bem-sucedidas em condicoes limitadas, elas nao conseguem lidar com todas as eventualidades. Mesmo juntas, elas nao conseguem realmente descrever a realidade.
O problema que os fisicos enfrentam com a teoria M e um que esperavam ha decadas, disse Hawking. Ele deriva do trabalho do matematico austriaco Kurt Gdel, que em 1931 provou que existem proposicoes matematicas verdadeiras mas improvaveis. E, acredita Hawking, o mesmo pode valer para a fisica.
O trabalho de Gdel desconcertou os matematicos. A nocao predominante na epoca era que nos sistemas matematicos formais -que sao construidos a partir de um punhado de proposicoes evidentes, ou axiomas- um matematico poderia provar que qualquer teoria e verdadeira ou falsa simplesmente raciocinando a partir dos axiomas.
Em 1900, o renomado matematico alemao David Hilbert estabeleceu uma lista de 23 problemas como um desafio para o novo seculo. Ele argumentou que cada problema matematico tinha uma solucao: com inteligencia e esforco suficientes, tudo seria solucionado. Por trinta anos, matematicos celebraram a supremacia de sua disciplina. Entao surgiu Gdel. Ele mostrou que nem todo teorema podia ser provado a partir de axiomas: a matematica era "incompleta".
Apesar deste resultado poder soar deprimente, ele tem estimulado os matematicos desde entao, gerando uma riqueza de novos entendimentos sobre os limites do que podemos saber. O matematico britanico Alan Turing usou a descoberta de Gdel para mostrar que ha coisas que um computador nunca podera fazer. E o matematico da IBM, Gregory Chaitin, usou isto para mostrar que existe um numero, chamado omega, que e real mas totalmente incalculavel. Agora Hawking acha que o resultado de Gdel, ou pelo menos seu analogo na fisica, sinaliza que a mente de Deus podera permanecer escondida para sempre.
O golpe de mestre de Gdel foi criar um equivalente aritmetico para uma declaracao que se refere a si mesma, como "Nao pode-se provar que esta declaracao e verdadeira". Se a declaracao e falsa, entao pode-se provar que ela e verdadeira, entao ha uma contradicao. Entao deve ser verdadeira, mas entao nao pode ser provado. Assim, a declaracao produz resultados inconsistentes.
Hawking possui um analogia fisica direta para este problema. No passado, o raciocinio newtoniano nos dizia que podiamos calcular o futuro, como a posicao de um carro correndo em uma pista, simplesmente extrapolando a nossa compreensao do presente. Mas estes dias de certeza nao existem mais: as nocoes modernas de gravidade e teoria quantica mostram que esta abordagem e inadequada. "Nos e nossos modelos somos todos parte do Universo que estamos descrevendo", disse Hawking. "Nos nao somos anjos que veem o Universo de fora".
Isto significa que estas teorias fisicas sao auto-referenciais, como no teorema de Gdel, entao nao deveriamos nos surpreender por serem inconstantes e incompletas. "As teorias que temos no momento sao inconstantes e incompletas". A teoria M e incompleta de uma forma bem real. Ela presume que podemos definir a "funcao onda" do Universo -a descricao quantica plena de suas propriedades- em todo e cada ponto do espaco. Em um universo infinito, isto exigiria uma densidade infinita de informacao, mas ha um problema fundamental com tal ideia.
No trabalho deles sobre buracos negros, Hawking e Jacob Bekenstein, da Universidade Hebraica de Jerusalem, mostraram que a quantidade de informacao contida em um buraco negro nao e proporcional ao seu volume, como voce poderia esperar, mas a area de sua fronteira -o horizonte de evento, dentro do qual a gravidade do buraco negro e forte demais para que algo possa escapar. Este fato descarta qualquer possibilidade de que a teoria M possa utilizar uma densidade infinita de informacao. "O que precisamos e de uma formulacao da teoria M que leve em consideracao o limite de informacao do buraco negro", disse Hawking.
Mas a sombra de Gdel pairara sobre tal modelo. A informacao que o proprio modelo contem precisa ser representada por algo -o arranjo de particulas em uma fita magnetica, por exemplo. Afinal, com famosamente comentou o fisico Rolf Landauer, "a informacao e fisica". O arranjo destas particulas custa energia, de forma que o modelo mudara a energia -e a informacao- no proprio sistema que esta tentando representar. Assim como a declaracao aritmetica de Gdel, ela se refere a si mesma. Desta forma a teoria de tudo pode estar fora do alcance para sempre.
Novamente, voce pode achar esta conclusao deprimente. Mas Hawking e otimista. "A teoria de Gdel assegurou que sempre havera emprego para matematicos", disse ele. "Eu acho que a teoria M fara o mesmo pelos fisicos".
Stephen Hawking apresentou pela primeira vez estas ideias em sua palestra "Gdel e o fim da fisica" na comemoracao do centenario de Dirac na Universidade de Cambridge.